O crack se espalha pelo interior do Brasil

Quem tenta escapar do vício chega a procurar as cidades do interior como refúgio.

“Eu vim embora pra cá de volta, porque cidade pequena, a gente tem mais chance de parar, né?”, conta um dependente.

O cenário é dos mais inusitados. Longe das cidades o crack rompeu uma barreira impressionante. Abriu caminho na roça propriamente dita e chegou nas lavouras de mandioca no interior do Paraná. A droga virou o combustível trágico pra gente que vive de um trabalho pesado.

“Eu usava mais pra dar potência, pra trabalhar, pra render mais o serviço, né?”, conta um trabalhador “Se é pra gente arrancar hoje 10 toneladas de mandioca, a gente arrancava 20. Eu sentia uma energia, uma força, vontade mais ganância de saber que de tarde ganhava mais dinheiro”, fala outro.

Trabalhadores rurais que preferem não se identificar dizem não usar a droga, mas testemunharam o avanço do crack nos tempos de colheita. Assim como o proprietário da fazenda:

“O ano passado a gente até assustou com a quantidade de casos que teve. De 60 a 80%, na colheita é...”, conta.

Homens que passaram a trabalhar como zumbis. “A pessoa tando com isto aí, pode se machucar, pode se cortar, não sente dor, é um anestesiante”, fala o trabalhador “O sol pode estar 200 graus e eles não tão nem aí. E o rendimento deles é bem maior que o dos outros. Quando estão drogados”, fala o proprietário.

Mas eles rapidamente descobriram o preço que a droga cobra. “Se ele faz um tanto de serviço, num dia, no outro dia já faz menos, vai caindo, vai caindo. Já não anima mais, fuma, fuma, fuma pra voltar ao normal, mas não volta”, diz o trabalhador.

Mesmo a distância da cidade não atrapalha a chegada da droga. Os traficantes vão onde os possíveis clientes estiveram, como conta um dono de terras.“A gente vê oferecer o dinheiro vir na cidade buscar, porque já acabou, porque senão eles não consegue completar o dia. A gente fica assustado porque nós temos filhos pequenos, a gente não sabe o que pode acontecer”, declara.

Ao invés das brincadeiras ou do esporte, que deveriam ser comuns na infância e na adolescência, muros altos e cercas de arame farpado. Instituições que abrigam jovens que cometeram crimes passaram a ficar cheias de usuários de crack.

Isso por causa de um dos principais impactos sociais da droga, a violência. Em uma dessas casas em Campo Mourão estão internados adolescentes de 12 e 13 anos que cometeram assaltos e roubos, e jovens mais velhos, de 17, 18 anos que cometeram homicídios. Quase todos eles eram usuários de crack.“Morreram bastante, só que eu conheci morreram 32 rapazes assassinados, todos envolvidos no crack, às vezes estavam devendo...”, conta um dependente.Quem luta contra a expansão do crack não tem encontrado muitos motivos pra otimismo.

“Primeira coisa para trabalhar com isso, a gente tem que ter muita resistência à frustração, muita. Não dá para criar uma expectativa muito alta em relação à essas pessoas, à esses usuários", declara Carla Amaral Barros, psicóloga.Decepções que, nas palavras de um usuário, desafiam nossa capacidade de reação. “Hoje o crack tá solta a vontade, alastrado. Posso te dizer assim, alastrado mesmo e a tendência é só crescer. Eu acabo, mas o crack não acaba”, fala.


Longe das cidades o crack rompeu uma barreira impressionante. (Foto: Divulgação)

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Reportagem Especial Globo: Epidemia do Crack