Artigo - O povo no país do mensalão por Jorge Luiz Baldasso
Há alguns dias ouvi de um conhecido, que fora candidato a vereador nas eleições de 2008, as razões porque havia abandonado sua candidatura logo na segunda semana de campanha: "Eu não aguentava mais... a cada casa em que eu entrava tinha que ouvir um rosários de pedidos... pagar conta de luz, um butijão de gás, material de construção, dinheiro, emprego; até o pessoal de minha igreja me assediava com solicitações de todo tipo; para votar em mim, queriam ver atendidas suas demandas pessoais, não se importando se eu tinha ou não capacidade para ser legislador... esse povo não dá valor à democracia!!!"
Não fora a primeira vez que ouvira um desabafo desta natureza; eu próprio já fui testemunha deste tipo de comportamento e posso afirmar, sem medo de errar, que isto é muito mais regra do que exceção em questões que remetem ao adequado funcionamento das instituições a ao futuro do país. Não seria, portanto, de surpreender o que aconteceu recentemente em nossa cidade quando o prefeito, o vice, a primeira dama e quase todo o legislativo municipal foram parar atrás das grades em razão de fortes indícios de corrupção na lida com o dinheiro público.
O que surpreende, de fato, é que este mesmo povo que elegeu o prefeito, o vice e os vereadores, se mostra agora indignado com as incríveis vigarices patrocinadas por aqueles senhores. Como se não tivessem vendido o voto; como se não tivessem rifado sua cidadania; como se não tivessem sido egoístas, atuando para obter favores pessoais em detrimento do bem comum, da adequada condução dos assuntos públicos e de nossa evolução como sociedade.
O resultado é o que vemos hoje: nossa cidade abandonada, vias e logradores públicos totalmente degradados, a saúde, a educação e a segurança pública em situação deplorável. A culpa, por certo, é do prefeito e dos edis afastados, mas... quem os elegeu? E por quê?
Conheci alguns candidatos a vereador naquela eleição, gente séria, honesta e capacitada, mas que não tiveram mais que um punhado de votos. Por quê? Porque não deram dinheiro? Butijão de gás? Emprego? Por vezes, até mesmo um afago ou um tapinha nas costas? E agora aqueles mesmos senhores que venderam seu voto tão barato e de forma tão vil reclamam dos buracos nas ruas, da falta de médicos e remédios, da escola que não tem material didático nem merenda, da criminalidade que corre solta, etc, etc... E proferem insultos contra aqueles mesmos elementos em que, tão astutamente, elegeram, pensando estar fazendo um grande negócio. Como naquela bem bolada propaganda do TSE, trocaram um hospital e uma escola equipados por uma dentadura, por uma pilha de tijolos... e agora reclamam da má administração, dos impostos altos e da roubalheira...
Não é difícil entender o que aconteceu por aqui (e, por extensão, em todo o país) se analisarmos alguns traços do caráter de nosso povo: trabalhador, mas dependente; orgulhoso, mas endividado; sentimental, mas ingênuo; alegre, mas frustrado; honesto, "pero non mucho"... Nos achamos espertos, mas a todo momento somos enganados... vivemos caindo no conto do "bilhete premiado"... literalmente (há poucos dias aconteceu de novo por aqui); prá burro só faltam os chifres!
Convenhamos, por mais que nos sintamos insultados, por mais que venhamos a ser motivo de chacotas pelo país em razão de nossa incomum situação institucional, nós merecemos tudo isso. Escolhemos mal, fomos individualistas, egoístas, medíocres, preguiçosos no pensar. Desdenhamos a democracia e estamos tendo o que merecemos.
Que ninguém se sinta injustiçado! Jorge Luiz Baldasso – Médico